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Parabéns a você…

O Blog CVX Sul (www.cvxgrandelisboa.wordpress.com) está hoje de parabéns, completando o seu primeiro aniversário!

Surgiu com o objectivo de aproximar os membros da CVX sul, através de um espaço de partilha e informação.

Durante este 1º ano, publicámos mais de 60 posts e mantivémos 4 páginas, Quem somos, O céu é a Sul, Encontrar todas as coisas em Deus, ...e Deus em todas as coisas. Alguns grupos fizeram a sua apresentação no blog (mas ainda muito poucos!!!). Por junto, tivemos quase 13.000 visitas.

Os meses mais activos do blog corresponderam aos meses em que estivemos empenhados e comprometidos na preparação, participação e depois a colher os frutos da visita do Santo Padre. Neste período, o blog foi o espelho da comunhão que se viveu dentro da CVX sul e entre a CVX e a restante Igreja de Portugal e universal.

No início deste novo ano (CVX e lectivo), o segundo ano do nosso blog, importa recordar que uma maior participação de todos os membros CVX é muito bem-vinda, bem como um maior número de subscritores. Fica, uma vez mais este convite, para que, pela contribuição de todos, este espaço seja também mais de todos!

A Equipa Regional

Visão de futuro sobre a missão CVX (excerto)

Guy Maginzi

Secretário Executivo

Conselho Executivo Mundial da CVX 

Olhares prospectivos sobre a missão da CVX[1]

 

            Como lançar hoje um olhar prospectivo sobre a missão da CVX no mundo? Escolher algumas experiências apostólicas, assumindo o risco de arbitrariedade que tal escolha implica, e prever futuras evoluções? Revisitar a história da Comunidade mundial detendo-se na dimensão “apostólica” tal como se depreende das sucessivas Assembleias Mundiais? Recordar a natureza e os objectivos apostólicos da CVX como se afirma nos seus textos fundadores[2] e acentuar a caminhada que a comunidade tem vindo a realizar para atingir os seus objectivos?

            Qualquer que seja a perspectiva adoptada, convirá, sem dúvida alguma, ir até ao que constitui o núcleo fundamental da missão CVX: a adesão a Cristo ressuscitado. Tal adesão nasce nos nossos corações, e aí se renova quotidianamente, graças aos Exercícios Espirituais de Sto. Inácio. A CVX reconhece neles a fonte específica e o instrumento característico da sua espiritualidade[3]. Fora desta realidade fundamental, a missão da CVX não pode ser nem compreendida adequadamente nem vivida de forma autêntica.

            São estas as razões pelas quais procuraremos redescobrir alguns traços significativos da missão CVX (I), antes de analisar alguns desafios e dificuldades (II). Será assim mais fácil ressaltar algumas oportunidades, sementes do futuro missionário da CVX (III).

I. Como compreender a missão CVX?

 

            PG 1: As três Pessoas Divinas, contemplando toda a Humanidade dividida pelo pecado, decidem dar-se completamente aos homens para libertá-los de todas as suas cadeias. Por amor, o Verbo encarnou e nasceu de Maria, a virgem pobre de Nazaré.

            A missão CVX constitui uma resposta ao amor de Deus que se implica na vida do ser humano, sua criatura. Os membros CVX descobrem quão preciosos são aos olhos de Deus, “que, na Sua bondade inefável de salvar os homens, lhes dá a possibilidade de participarem integralmente na realização da Sua salvação na história[4]. A nossa missão nasce do desejo de nos unirmos intimamente a Cristo que assume a nossa condição humana e lhe dá sentido.

            Para delimitar melhor os traços essenciais da missão CVX é mais fácil começar por dizer o que ela não é. A missão CVX não é uma actividade opcional e totalmente pessoal.

I. 1. A missão CVX não é facultativa

            A CVX é um corpo apostólico para a missão. Não é um lugar que reúne pessoas felizes por partilharem a sua fé e amizade num tranquilo e agradável círculo fechado. O específico da CVX é que os membros da comunidade partam e se façam ao largo para dar testemunho de Cristo ressuscitado.

            Ninguém pode dizer-se autenticamente CVX se não se compromete numa vida apostólica, porque todo aquele que reconhece a CVX como o lugar da sua vocação específica na Igreja, quer seguir a Jesus Cristo mais de perto e trabalhar com Ele na edificação do Reino[5]. Encontrou a Cristo e fez a opção decisiva de segui-Lo, com o auxílio da Sua graça.

            Não reconhecer dentro de si o desejo ou a vontade de estar em missão é frequentemente sinal de que a pessoa não sentiu ainda o apelo a uma vocação CVX. Isso deverá levar a um processo de aprofundamento[M1] , e depois de discernimento, da vocação. Do mesmo modo, uma comunidade que não ajuda os seus membros a fazerem a eleição e a viver as exigências e as implicações que lhe são inerentes, não é uma comunidade fecunda.

I. 2. A missão CVX não é uma actividade

            Sem este desejo alimentado pelos meios inacianos, o nosso compromisso apostólico, por mais útil e louvável que seja, estará desligado do que o faz CVX.

            Daqui se depreende que a missão não é tanto o serviço realizado como a atitude que o justifica e sustém.

I.3. A missão CVX é comum

            Falar de missão comum poderá fazer pensar imediatamente na realização por todos de uma mesma actividade – ou numa série de actividades similares. Não é exactamente assim que a CVX entende a sua missão comum. Porque a missão “é comum em razão, não só da sua origem, mas também da sua orientação[6]. É Cristo que dá a missão à CVX e esta vive-a segundo a sua vocação específica no seio da Igreja.

            No decorrer da Assembleia mundial de Nairobi, compreendemos que o corpo apostólico que o Senhor nos convida a edificar é um corpo no qual se vive discernimento, envio, apoio e avaliação apostólicos. É a interacção entre estas quatro dimensões da missão que a torna realmente “missão comum”, vivida em CVX.

            Sendo a CVX uma comunidade de leigos implicados em diversas realidades profissionais e sociais, serão raras as situações em que um grupo assuma como missão uma actividade comum a todos os membros. Pelo contrário, a comunidade é o lugar privilegiado de discernimento da missão pessoal dos seus membros. E o que é verdade para o discernimento, é igualmente verdade para o envio, o apoio e a avaliação apostólica.

            Realizado o discernimento, a CVX deve enviar os seus membros em missão. E se a comunidade e a pessoa o considerarem útil, pode fazer-se uma pequena celebração de envio, como já acontece frequentemente. Este aspecto do envio em missão marca uma diferença considerável em relação a outros caminhos inacianos, particularmente o adoptado pelos leigos que recebem uma missão dos superiores das ordens religiosas às quais se associam.

            O apoio que o membro CVX terá da sua comunidade para a missão depende, em grande parte, da natureza dessa missão e das circunstâncias particulares da vida da comunidade. De qualquer forma, cabe à comunidade assegurar a proximidade espiritual a cada um dos seus membros, em particular na dimensão missionária das suas vidas. Os membros interessam-se uns pelos outros e tê-los presentes na oração é uma manifestação dessa proximidade e de comunhão missionária. Além disso, e segundo as circunstâncias, a comunidade deverá igualmente estar disponível para colocar à disposição dos seus membros qualquer outro tipo de recursos – inclusive os materiais – para a realização da missão.

            A avaliação é uma dimensão por vezes negligenciada e, no entanto, é ela que nos permite fazer memória, reflectir sobre o que nos foi dado viver sob o olhar de Deus e reconhecer a Sua marca na nossa história. Feito em comunidade, este exercício eminentemente inaciano torna mais comum a nossa missão e alimenta o nosso discernimento e apoio apostólico.

            Isto quer dizer que estas quatro dimensões da CVX não são etapas cronológicas que há que percorrer umas atrás das outras, mas que constituem uma dinâmica de interacção e um fundamento fiável de comunhão apostólica. O que a torna comum não é, pois, o cumprimento por parte de todos de uma mesma actividade, ou a criação de redes apostólicas, mas a dinâmica: discernimento, envio, apoio, avaliação.

I. 4. A missão CVX é a de uma associação mundial de fiéis leigos de espiritualidade inaciana

            A CVX partilha a missão dos fiéis leigos da Igreja, isto é, a missão de testemunhar no mundo em que vivemos que aos leigos pertence pela própria vocação buscar o Reino de Deus, tratando das realidades temporais e ordenando-as segundo Deus. Vivem no mundo, isto é, em toda e qualquer ocupação e actividade terrena e nas condições ordinárias da vida familiar e social com as quais é como que tecida a sua existência. São chamados por Deus para que, aí, exercendo o seu próprio ofício, guiados pelo espírito evangélico, concorram, como fermento, para a santificação do mundo a partir de dentro e, deste modo, revelem Cristo aos outros, antes de mais pelo testemunho da própria vida, pela irradiação da sua fé, esperança e caridade[7].

            Ao assumir a sua parte da missão dos fiéis leigos, a CVX procura fazê-lo de modo inaciano. A este respeito, as palavras do P. Arrupe remetem-nos para o essencial: “ A espiritualidade inaciana é eminentemente cristocêntrica. Viver um intenso amor pela pessoa de Cristo, tender para um “sensus Christi” que nos faça ser, aparecer e agir como Ele, é a característica primeira e fundamental do “nosso modo de proceder”[8]. A CVX vê nisto uma função a renovar incessantemente e um desafio a ter em conta, apesar das dificuldades inerentes a esta vocação eclesial.

(...)

III. Oportunidades, sementes de futuro

            PG 8: A nossa vida é essencialmente apostólica. O campo da missão da CVX não conhece limites: estende-se à Igreja e ao mundo, a fim de levar o evangelho da salvação a todos, de servir as pessoas e a sociedade, abrindo os corações à conversão e lutando pela transformação das estruturas opressoras.

            No centro das oportunidades apostólicas encontra-se a espiritualidade inaciana cuja flexibilidade e dinâmica permitem adaptar-se às condições e necessidades em grande mudança do mundo de hoje. Estas oportunidades manifestam-se tanto nas acções já em curso (III.1) como no potencial da CVX (III.2.)

III.1. Acção actual

            Os membros CVX procuram, nas suas tarefas quotidianas e “profanas”, comungar a vida de Cristo. As suas vidas, como as dos que o Senhor colocou no seu caminho, têm esta marca. É, poderíamos dizer, o seu caminho normal de santificação.

            Muito frequentemente, estão inseridos na vida social e na vida da Igreja, sem que tal seja conhecido e reconhecido. Uma explicação para isso pode encontrar-se na atitude interior, mais ou menos comum a toda comunidade, e que consiste em não querer fazer publicidade nem “marketing apostólico”. A maneira de ser CVX, ouve-se dizer com frequência, é a do fermento no meio da massa ou a do sal na comida. A CVX e os seus membros não têm, portanto, que “dar nas vistas”.

            No entanto, será tão mau para a CVX dar corpo e alma ao marketing do seu carisma, como privar-se de dar a conhecer o que se vive na CVX e graças à CVX. Esta palavra humilde é um testemunho que alimenta a nossa fé no Senhor. Vê-Lo a actuar nos nossos irmãos e irmãs ajuda a encontrá-Lo melhor na nossa própria vida. Esta partilha, que nos ajuda a fazer comunidade, anima-nos igualmente a explorar, agarrar e assegurar possibilidades de colaboração apostólica entre nós e com os outros.

III.2. Potencial da CVX

            Já mais do que uma vez ouvi dizer que a CVX é uma pequena organização e que, por isso, a sua margem de acção é reduzida face à complexidade dos problemas actuais do mundo. A afirmação não é falsa, mas corre o risco de não deixar reconhecer todo o nosso potencial.

            O carácter mundial da CVX é uma riqueza de que há que tirar proveito. A sua enorme variedade permite dar respostas matizadas e, por conseguinte profundas, a certas questões comuns. Oferece inegavelmente aos membros a possibilidade de pensar – e poderíamos acrescentar rezar e discernir – globalmente e agir localmente. É também por isso que os Princípios Gerais nos animam a criar e manter mais redes apostólicas.

            Graças sobretudo à acção profética dos que nos precederam, a CVX dispõe do Estatuto de Organização Não-Governamental com estatuto consultivo nas Nações Unidas. O referido estatuto confere-lhe possibilidades de lobbing que exigem ser mais exploradas. Estas acções de defesa de causas que requerem uma estreita colaboração com pessoas e redes comprometidas na base constituem um serviço a outras formas de compromisso social, e um útil complemento às causas defendidas junto de outras instâncias. Neste campo, abrem-se igualmente oportunidades de colaboração com as estruturas jesuítas de compromisso social.

Para concluir

            Em razão da espiritualidade inaciana, a missão está no centro da CVX. É vivida de diferentes formas que podem e devem, seguramente, ser melhoradas para que a CVX se torne um corpo apostólico inaciano laical. É este o grande desafio que, ao mesmo tempo, abre numerosas oportunidades de crescimento quer à comunidade quer aos seus membros, ao permitir um serviço útil à Igreja e ao mundo. As dificuldades não são insuperáveis e poderemos alcançar o nosso objectivo se soubermos aproveitar todos os recursos que a nossa espiritualidade nos oferece. Olhando o mundo e olhando-nos a nós próprios com os olhos do nosso Senhor Encarnado, a nossa motivação renova-se ao assumirmos com Ele este desafio. Com um coração incessantemente liberto de todo o “afecto que seria desordenado” caminharemos com determinação por este caminho que reconhecemos ser o que mais nos aproxima do nosso principal desejo: sermos testemunhas de Cristo Ressuscitado.


[1]  Reflexões pessoais do autor que não representam necessariamente o ponto de vista da CVX Mundial nem do seu Conselho Executivo.

[2] Esta perspectiva seria particularmente oportuna neste ano de 2007, uma vez que a CVX celebra 40 anos do seu texto (re)fundador: os Princípios Gerais (PG).

[3] PG 5

[4] Sínodo dos bispos sobre a vocação e missão dos leigos na Igreja e no mundo: 20 anos depois do Concílio Vaticano II, Instrumentum Laboris, nº 11.

[5] PG 4

[6] Carisma CVX, 103

[7] Lumen Gentium (LG) nº 31

[8] Pedro Arrupe, O nosso modo de proceder, conferência proferida a 18 de Janeiro de 1979 e disponível no site: www.jesuites.com/histoire/arrupe/agir.html


 [M1]Difícil explicar isto: se a pessoa não sente a CVX como vocação, por que raio deverá sentir-se atraído por aprofundar essa vocação?!

Notas para uma Comunidade Profética Laical guiada pelo Espírito

Tradução da comunicação do P. Nicolás à Assembleia Geral da CVX 2008

Fátima, 17 de Agosto de 2008

Introdução – Saudações

Não recordo quando foi. Estava finalizando um período da minha vida: dois anos de estudos em Roma ou seis de serviço no Instituto Pastoral da Ásia Oriental de Manila. Alguém me disse que a Comunidade da CVX japonesa, aonde eu regressava, tinha pedido ao Padre Provincial que me nomeasse seu Assistente Eclesiástico. Certamente andavam desesperados e queriam conseguir um jesuíta, qualquer jesuíta. Mas o Provincial tinha outros planos e a CVX japonesa viu-se livre de mim. Os meus contactos com a CVX eram esporádicos e não muito frequentes, embora nunca se tivessem rompido. Naturalmente, eu nunca pensei que estaria hoje aqui dirigindo-me à Assembleia Geral. E devo dizer que o faço com muito gosto.

Também devo dizer que estou muito impressionado. Li alguns dos vossos últimos documentos-nucleares. Tive acesso aos vossos intercâmbios, relatórios e debates. Encontrei-me com alguns dos vossos representantes e membros do Conselho Executivo. E nunca deixa de impressionar-me a visão, consagração e profunda humanidade que encontro em todos eles. Felicito-vos a todos por este nível de vida humana e compromisso cristão. [Devo confessar que tive que consultar os vossos Estatutos ou Princípios Gerais à procura da terminologia correcta sobre a liderança da CVX. Queria saber como designavam os vossos líderes. Abri os Princípios e li: “As Três Pessoas Divinas”. Não demorei muito a dar-me conta de que estava lendo a página incorrecta. Muito mais abaixo encontrei Assembleia e Conselho Executivo, e Presidente, etc.

Outro factor da grata alegria que hoje sinto é que é muito o que partilhamos, desde as directrizes básicas da espiritualidade inaciana até mesmo alguns elementos estruturais do vosso sistema de liderança. Está muito distante de quando fazíamos parte da Congregação Mariana do colégio dos jesuítas de Madrid.

Muito mudou desde a última vez que me relacionei com a CVX.

A leitura das cartas do Conselho Executivo aos Membros é fascinante. Não há dúvida de que as recomendações da Assembleia de Nairobi fazem época. Lemos: “Sentimo-nos confirmados na nossa vocação de nos tornarmos um corpo apostólico laical que partilha a responsabilidade da missão da Igreja” (Nairobi 2003). Isto é simplesmente extraordinário para uma comunidade ou organização de leigos. A razão é que esta afirmação surgida de um processo de discernimento tem consequências enormes para a CVX e para todos os seus  membros. E é precisamente isto que quereis aprofundar nesta Assembleia de Fátima.

Esta importante mudança na visão dos membros da CVX tem lugar – providencialmente – num tempo em que também estão tendo lugar outras mudanças transcendentais. Houve um tempo em que algumas personalidades fortes, dotadas e visionárias marcavam a diferença na Igreja e na sociedade.

Comunicação P. Nicolás

Isto continua sendo verdade embora só até certo ponto. Todas as idades e gerações conheceram personalidades que influenciaram pelo bem ou pelo mal. Uma pessoa dotada nunca deixa de influenciar os outros.

Porém os tempos mudaram e agora podemos ver e experimentar a diferença que marca toda uma série de grupos, movimentos, comunidades e projectos de colaboração. Se alguém pretende uma mudança social, a sua primeira questão será como mobilizar outros, como criar um tal movimento de pensamento, motivação e visão que torne possível a mudança.

Que num tempo como o nosso  as vossas comunidades se sintam “confirmadas” numa missão comum é uma das respostas de Deus à nossa crescente necessidade de acção concertada pela justiça e pela reconciliação do povo.

Esta observação podemos traduzi-la em termos eclesiásticos. Houve um tempo em que correspondia aos sacerdotes, religiosos e outros ministros oficialmente designados marcar o ritmo da vida eclesial e ditar normas para cada sector relevante da Igreja e da Fé. Mas também aqui as coisas mudaram. Estamo-nos  a acostumar a viver a fé com uma maior espontaneidade, que brota da nossa experiência e formação no discernimento dos movimentos do Espírito. Respeitamos hoje os líderes leigos como no passado fizemos com os membros do clero; lemos artigos de teólogos leigos e sentimo-nos inspirados pela vida e testemunhos de casais e pessoas leigas comprometidas que encontraram caminhos de salvação onde antes só buscávamos “vida laical exemplar”. O laicado e os seus grupos são escutados com assombro  nos numerosos novos caminhos que abriram.

Houve um tempo finalmente em que a palavra pregada e escrita tinha um papel decisivo em nossas vidas. Vimos de uma longa e rica tradição em  que as palavras eram tremendamente importantes e a fé, segundo a expressão de São Paulo, chegava-nos ao coração através do ouvido – Fides ex auditu. Há algo no ouvir que chega às profundidades da pessoa e que não chega através dos outros sentidos. Todas as nossas culturas passaram por uma fase “auditiva” que coincidiu em grande parte com os testemunhos mais antigos da humanidade e da comunicação de Deus com esta. Isto continua a ser verdade e vemos verdadeiras multidões amontoar-se para escutar o Santo Padre e as suas palavras e através delas vislumbrar a revelação de Deus.

Entretanto, os que vivemos o bastante ou pudemos ter longos e profundos contactos com  a Ásia Oriental experimentámos o forte emergir da “visão” na busca de uma vida e verdade mais profundas. A geração actual conta com muita gente que está cansada e desiludida com palavras vazias, promessas de campanhas. Homilias débeis e anémicas, palavras e palavras e palavras que, citando de novo São Paulo, não são mais que ruído, metal que soa ou címbalo que tine. Hoje as pessoas querem “ver” o que “ouvem”. Queemr ver “palavras vivas”. O pregador e o profeta vivem sob uma lupa. Por isso há na actualidade tanto interesse pelo testemunho vivo de leigos comprometidos, casais que transformaram anos de dificuldades, diferenças e conflitos em testemunhos de um amor maior, fidelidade cristã e esperança criativa. O olho tornou-se um companheiro inseparável do ouvido.

Podemos viver uma Vocação Profética como Comunidade?

Qualquer que seja a análise, motivação, processo e evolução das mudanças recentes, encontramo-nos perante uma nova percepção e uma nova realidade. Sentimo-nos confirmados em que Deus quer que sejamos “uma comunidade apostólica que partilha a missão da Igreja”. Mas esta missão, na tradição bíblica e cristã, deve ser uma Missão Profética, realizada e levada a cabo em nome de Deus e sob sua orientação. E podemos interrogar-nos com pertinência: Podemos realmente ser proféticos? Não há muito tempo vários escritores bíblicos e espirituais escreveram livros e artigos em que a grande questão era: “Onde estão os Profetas?” Esta pergunta é particularmente relevante quando se dirige a uma comunidade. Pode uma Comunidade – do mesmo modo que uma instituição – permitir-se ser profética?

Muito provavelmente a resposta está aqui, no meio de nós, no meio de vós. Escolhestes como uma das frases chave desta Assembleia: “Os Apóstolos contaram a Jesus o que tinham feito e ensinado” (Marcos 6:30).

Naturalmente nem todos sois profetas. Quiçá alguns de vós, ao menos algumas vezes, não sempre, nem em todas as frentes.

Mas talvez – e isto é muito mais importante – este seja tempo para Comunidades Proféticas e parece-me que vos estais movendo decididamente nessa direcção.

Se tal for o caso, podemos de novo dizer que Santo Inácio é o Mestre que necessitamos neste tempo. Consideremos alguns pontos em torno desta questão. O que é que faz ou define um Profeta? O que é que nos diz a Bíblia sobre os Profetas?

  • O Profeta VÊ o mundo com os olhos de Deus. Vimos e contemplámos isso na Encarnação. “As Três Pessoas Divinas…” (Agora estou na página correcta.) Inácio não é nada tímido quando contempla o mundo.

 

  • O Profeta ESCUTA com os seus ouvidos o que Deus ouve. Deus escuta a voz, os gritos, o clamor angustiado do povo. Deus ouve o povo quando lhe pede justiça, quando sofre dificuldades e solidão e opressão.

 

  • O Profeta SENTE com o Coração de Deus. Vemos como se movem as entranhas de Jesus, como se comove todo o seu ser… E o mesmo lemos sobre Deus no Antigo Testamento… Chora e sofre com os sofrimentos de (e aqui podemos evocar a linguagem bíblica) “Filha minha”, “Povo meu”, “Minha amada”, “Minha família”… Deus está próximo, sente empatia e comunhão com o seu pobre povo. Compaixão é a sua primeira resposta.

 

  • Então o Profeta FALA a Palavra de Deus. E sabemos que é uma palavra de misericórdia, de compaixão pelos que sofrem… e uma palavra de Conversão e Solidariedade para os que podem fazer algo em relação ao sofrimento. (Deixamos para mais tarde uma análise desta Palavra, que não é só um dito da boca mas uma palavra viva que afecta a realidade e a transforma ).

 

O processo inaciano e o Espírito Santo.

  • Há menos de um mês fomos testemunhas da grande experiência do Dia Mundial da Juventude em Sydney, Austrália, com 250.000 jovens de todo o mundo. Em certo sentido algo paralelo aconteceu aqui.

 

  • No ponto mais vivo daquele encontro, o Santo Padre falou do Espírito Santo. Sentiu a necessidade de uma Catequese do Espírito Santo.

 

  • Pois bem, este é também o nosso tema. Inácio não dispunha de uma boa teologia do Espírito Santo porque a teologia católica do seu tempo andava por outros caminhos.

 

  • No entanto, Inácio teve a EXPERIÊNCIA do Espírito Santo e o MÉTODO para nos ajudar a ter a mesma viva experiência. A espiritualidade dos Exercícios Espirituais é uma expressão prática e concreta da Teologia que lhe faltou (só em teoria, porque na prática viveu-a).

 

  • Todo o processo dos Exercícios prepara a pessoa (a alma, diria ele) para se aproximar de Jesus e imitá-lo.

 

- Prepara-nos para VER como dizíamos que vêem os profetas.

- Prepara-nos para OUVIR o que o Senhor ouve dizer aos pobres e aos que sofrem.

- Leva-nos a SENTIR o que Cristo e Deus sentem acerca da realidade, do bem e do mal.

- Ensina-nos como DISCERNIR no meio de sentimentos tão intensos relacionados com a realidade humana e histórica.

- Ajuda-nos nas DECISÕES sobre como responder e dar contributo à realidade de que fazemos parte.

- Incita-nos a ACTUAR segundo os impulsos do  Espírito.

- E abre nossas bocas para que possamos EXPRESSAR o que acontece,

dizer-lhe o que temos feito e ensinado, e

falar à gente da doçura e bondade do Senhor.

Os Desafios de fazer isto em Comunidade e como Comunidade

  • Há um minuto perguntávamo-nos se é possível ser proféticos em comunidade.

 

  • Não há uma resposta teórica. Só há uma resposta prática.

 

  • É possível SE E QUANDO… Permiti-me dizer umas palavras sobre estes “Se e Quando”. Mas primeiro permiti-me recordar-vos que fizestes a opção de vos tornardes uma Comunidade Apostólica e partilhar juntos a vossa missão na Igreja. Por outras palavras, optastes por tornar-vos uma comunidade profética e missionária como comunidade. Desta maneira o desafio não é teórico mas prático: como chegar a ser uma comunidade apostólica viva. E talvez aqui possa servir esta simples reflexão sobre o viver profético:

 

  • Para sermos proféticos, TODOS devemos ser pessoas que ESCUTAM. Que escutam a gente – que escutam a Palavra de Deus – que escutam as suaves reflexões do Espírito Santo. Inácio dá-nos inumeráveis directrizes para poder conhecer quando se tornam numa estas três maneiras de escutar. Porque quando se unificam, mudamos e ficamos radiantes de gozo, esperança e consolação. São Tomás de Aquino escreveu que na experiência da Fé há duas palavras: a palavra exterior que nos é dada nas Escrituras e a palavra interior que o Espírito Santo põe em nossos corações. Quando estas duas palavras se juntam, alcançamos uma profunda comunhão com o Senhor. Mas para que isto chegue a ser uma experiência de comunidade, todos devemos ESCUTAR.

 

  • Para sermos proféticos, TODOS devemos BUSCAR. Não existe profecia sem DISCERNIMENTO. Conclusões do tipo “fast food” não são mais do que uma expressão da falsa profecia. Inácio estava convencido disso. Por isso estava sempre disposto a pôr à prova as suas conclusões uma e outra vez não fosse ter-lhe escapado um ou outro importante facto ou sentimento ou moção do Espírito. Uma comunidade apostólica e profética é uma comunidade de crentes humildes que estão sempre à procura.

 

  • Isso quer dizer que uma comunidade profética vive numa sã tensão de estar em necessidade de RECEBER, porque o dom do Espírito – como disse Bento XVI – nunca se conquista, apenas se recebe sempre com humilde gratidão. Podeis ver quão distantes estamos de qualquer tipo de fundamentalismo espiritual. A nossa segurança está estreitamente unida com a nossa humildade; não se baseia em posse mas numa permanente consciência de que vivemos na bondade e amor de Deus, o dom dos dons. Esta é também a tensão do DISCERNIR, do BUSCAR e do DECIDIR. Pode parecer contradição. Mas como podemos ser humildes e decisivos ao mesmo tempo? Nisso consiste precisamente o discernimento, porque quando o Espírito vem à nossa comunidade, os nossos medos dissipam-se e sabemos o que Deus quer de nós.

 

  • Agora, se tal é o espírito com que discernimos e decidimos como comunidade, está claro que a expressão recentemente impressa “HOMENS/MULHERES COM OS OUTROS” não é um mero apêndice à mais tradicional expressão “HOMENS/MULHERES PARA OS OUTROS”, mas que pelo contrário ainda pode ser mais original e radical para a CVX que optou por ser uma Comunidade Apostólica.

 

  • TODOS os membros estão convidados a ter OLHOS para VER. Sabeis também que como leigos vedes com frequência o que nós sacerdotes não vemos ou não podemos ver.

 

  • TODOS os membros estão convidados a OUVIR o que os sacerdotes e o clero não podem frequentemente ouvir. É surpreendente como curiosidade como o “ouvir” pode também estar culturalmente condicionado. Quem pode ouvir uma moeda que cai numa rua movimentada? Ou o seu nome sussurrado a dez metros de distância? Ouvir é uma operação discernida.

 

  • TODOS estão convidados e chamados a SENTIR a pena e o sofrimento de outros. A Terceira Semana dos Exercícios exercita-nos a sentir a dor de Cristo, o Outro. Foi o grande Bispo Hilário de Poitiers quem disse: “Sanctior mens plebis quam cor est sacerdotum” (séc. IV).

 

  • TODOS estão chamados a DISCERNIR, DECIDIR e servir-se de MÃOS e PÉS para a acção, o serviço e a compaixão.

 

  • Chegar a ser uma Comunidade Profética para a Missão Partilhada torna-se possível se tivermos a coragem de aceitar o desafio e caminharmos ao estilo inaciano no sentido da Vontade de Deus.

 

Importância Prioritária da Formação para Todos

  • Todas estas observações e reflexões me conduzem à conclusão óbvia de que a nossa maior prioridade como CVX deve ser a Formação dos nossos membros. Esta é a prioridade das prioridades.

 

  • Nestas últimas semanas visitei alguns Cardeais de várias Congregações do Vaticano. (Como parte do meu cargo, imagino). Quando visitei o Cardeal Rylko, Prefeito da Congregação para os Leigos, disse-me logo ao princípio como estava feliz com a CVX e sublinhou repetidamente, “pela séria formação que dão aos seus membros”.

 

  • Recordais como Santo Inácio não crê que todos possam beneficiar igualmente dos Exercícios Espirituais. Não era elitista, mas sabia que é necessário ter uma capacidade básica, uma abertura da mente e do coração que nos prepare para sermos sensíveis e respondermos ao encontro com Deus e à orientação do Espírito. Neste sentido, a verdadeira educação deve medir-se pela capacidade de abrir as mentes das pessoas a realidades maiores e profundas.

 

  • Aqui é onde está o principal campo de cooperação. Nós jesuítas sentimo-nos muito felizes ao ver que os dons de Inácio são vossos, que se estendem e saem dos círculos e do controlo jesuíticos. O que Inácio fez foi ao serviço do Evangelho, que nunca foi posse exclusiva de ninguém. Alegramo-nos por ver que os dons de Inácio se tornam um património partilhado para o bem da Igreja e do mundo.

 

  • Teremos que trabalhar juntos para uma formação em profundidade. Esta formação incluirá naturalmente:

- Teologia, Psicologia, Antropologia… quanto ajude a crescer no amor como  pessoas e como crentes.

- Mas, sobretudo, a formação tem de ser na Vida do Espírito de forma que todos dominemos os recursos para nos tornarmos interiormente livres, para um discernimento real da vontade de Deus, para uma dócil e alegre familiaridade com os caminhos do Espírito.

  • Espero realmente que possamos trabalhar juntos nesta importante prioridade e que vós, como membros da CVX nos ajudeis, aos jesuítas, a ir mais fundo na mesma espiritualidade

 

  • Recordai-vos que somos só uma parte, e muito pequena, do Corpo de Cristo, do Povo de Deus, da Igreja de todos. E servir a todos será sempre uma alegria.

 

Conclusão

A minha gratidão por este convite e por qualquer forma de cooperação que possamos ter no futuro. A nossa tarefa é grande e sobretudo profunda, uma tarefa na qual e pela qual esperamos construir em cada um o Corpo de Cristo e partilhar mutuamente a orientação e inspiração do Espírito Santo. Algo a que aspirar com ilusão e pelo qual dar graças a Deus.

P. Adolfo Nicolás, sj

Assistente Eclesiástico da CVX / Superior Geral da Companhia de Jesus