A conta que Deus fez

“São três limonadas e três bolos de chocolate”. E como se acaso duvidasse,
exemplificava esticando três dedos da mão direita, e logo mais três da
esquerda. “Quanto é?” 7, 8 anos? Melena escura, franja rebelde, o sorriso
franco dava lugar ao franzir de sobrolho, setas negras dardejando sob as
pestanas densas. Cara de puto ladino. Com ele vinham as manas, gémeas,
sardas e caracóis, as mesmas pestanas densas, mas os olhos verdes da
Mãe. “1 euro cada - mas olha lá, e tens dinheiro para isso tudo?”, que a
venda era em proveito das Missões, naquela Festa, das Famílias chamada,
espécie de arraial que reúne pais, filhos e várias gerações de alunos do
colégio dos Jesuítas em Lisboa, e mais os que vêm da vizinha Espanha para
os torneios desportivos. Teatros, concertos, rifas, barraquinhas de jogos,
comes e bebes vários, em convívio descontraído, angariando fundos para as
obras missionárias da Companhia. Procurava nos bolsos, de entre os brindes
ou prémios já arrecadados (que, nas mãos de mães prevenidas, soem voltar
no ano seguinte às mesmas lides…). Já se aproximava o Pai, “então Francisco,
precisas de ajuda?” E o Francisco, sem desarmar: “2, três e meio, 5 e…
6!” - “Estes seus três são mesmo a conta que Deus fez!”, dizia ao Pai das
crianças outra freguesa, enternecida. E este, quase distraidamente, enquanto
distribuía palhinhas e guardanapos de papel pela prole: “mas olhe que cada
um é cada qual, mesmo elas, cada um com seu feitio…” Pois claro!, um
vislumbre por entre as limonadas: assim nos criaste, todos e cada um, únicos
e irrepetíveis, mesmo se gémeos - e todos à Tua imagem e semelhança!!!

Lisboa, 2 de Maio de 2012

Concha Balcão Reis da CVX Abba