Urbano Matinal
Rotunda, confusão, encontrão, corre-corre, pressão humana, stress, o tempo em contra-relógio, contra-corrente, ofegante, anónimo, incerto. Corrupio, sobe escada, cavalgada, apressada, acelerada. Cá fora chove. Passado o bafo rouco dos ventiladores subterrâneos, num arrepio, uma chuva miudinha, fustigada, molha a calçada, sob céu plúmbeo. Confusão, encontrão, corre-corre, corrupio. Corrupio, corre-corre, encontrão. E, fatal, o trambolhão. Rasgão, arranhão, confusão. “Está bem?”, “Que foi?”, “Magoou-se?”, sem quase tempo para a resposta, o instantâneo absurdo do tombo estatelado, anónima intromissão, e tudo retoma de imediato, corre-corre, corrupio, confusão, chuva, “não foi nada!”, “obrigada!”, ”eu estou bem”. Chaves aqui, caneta ali, caixa de óculos acolá – tudo espalhado, molhado, entornado, no passeio da calçada viscosa, e a chuva miudinha fustigada, encharcada. Obrigada, Senhor meu Deus! Pela minúscula flor - nunca a veria! - que medra por entre as pedras, tão mínima e perfeita, de um azul que o céu hoje não tem. Para que serve? Porque existe? Porquê ali, a ponto de ser esmagada na cavalgada humana? Porque Tu a crias, susténs, manténs. Com que fim outro que não fosse ser Teu sinal no instante absurdo do trambolhão estatelado?
Lisboa, 19 de Abril de 2012
Concha Balcão Reis da CVX ABBA