Desafiados a ser uma comunidade profética – Documento final da AN2010

Na sequência do desafio lançado pelo P.Adolfo Nicolás, S.J. na Assembleia Mundial de
Fátima 2008 e desejando continuar a aprofundar os apelos da Assembleia Nacional
de 2007, a Comunidade de Vida Cristã de Portugal escolheu como lema da sua X
Assembleia Nacional “Desafiados a ser uma comunidade profética”.
Nós, delegados escolhidos pelos grupos, portadores dos frutos do trabalho de
preparação da Assembleia, reunimo‐nos em Fátima de 29 de Outubro a 1 de
Novembro, como comunidade de discernimento, buscando os caminhos que o
Espírito quer abrir à CVX‐P. Sentimo‐nos confirmados no repto feito à Comunidade de
se tornar profética e identificámos as linhas orientadoras deste caminho, que todos
nos propomos agora percorrer.

I ‐ CVX – Uma comunidade chamada a ser profética
1. A Assembleia abriu com a aprovação dos relatórios de actividades e contas
2007‐2010 e com a apresentação de cada um dos candidatos à Equipa
Nacional feita, de forma testemunhal, por um membro do seu grupo.
2. José Maria Riera, presidente mundial da CVX entre 1994 e 2003 e ex‐membro
do Conselho Pontíficio para os Leigos, propôs uma reflexão à Assembleia a
partir da interrogação de fundo: “Em que aspectos o Espírito de Deus está a
desafiar a CVX a ser profética?”.
3. Começando por descrever os traços distintivos do profeta do Antigo
Testamento, como um homem do seu povo e, simultaneamente, um homem
de Deus, chamado a levar a cabo a sua missão através do gesto e da palavra,
identificou Jesus como o profeta por excelência, também Ele um homem do
seu povo, profundamente lúcido, arrebatado por Deus, que leva a cabo a
missão que o Pai lhe confia através do gesto e da palavra. Tocou‐nos
particularmente a menção a que o primeiro gesto profético da sua vida
pública tenha sido criar uma comunidade de discipulos, a primeira
comunidade profética, simbolizada nos doze como o novo povo da Aliança.
4. Também em Inácio descobrimos os mesmos traços de carisma profético:
homem do seu povo, que actuou com palavras de esperança e acolheu todas
as realidades marginais do seu tempo e de cujo discernimento nasceu uma
comunidade profética de leigos. Esta comunidade deu mais tarde origem à
Companhia de Jesus que, desde o seu início, convocou outros leigos e
consagrados a partilhar o seu carisma.
5. O leigo inaciano é filho do seu tempo, recebeu o chamamento a seguir Jesus e
vive‐o como contemplativo na acção, numa atitude contra‐cultural, com um
coração que se move com o mesmo fogo que arde no coração de Cristo. É um
homem que vive a tensão própria de estar no mundo e da desproporção entre
a missão que lhe é confiada e as suas próprias possibilidades. “A nossa
capacidade de acção está absolutamente condicionada pela nossa fidelidade
ao Senhor e pelo nosso desprendimento das coisas materiais e que, na sua
maior parte, não são mais que enganos desta sociedade que nos mantêm
enredados e prisioneiros”.
6. Dentro da família inaciana, a CVX apresenta‐se com um carisma específico,
assente no discernimento comunitário apostólico. O que é verdadeiramente
novo e profético no mundo de hoje é que um grupo de homens e mulheres
leigos queira e se ofereça para a missão, se sinta enviado, apoiado e
acompanhado pela comunidade e avalie com ela os frutos dessa missão. Mais
uma vez conscientes da desproporção entre aquilo a que somos chamados e a
nossa realidade actual, sentimo‐nos confirmados que este é o caminho para o
nosso amadurecimento enquanto comunidade.
7. Os ecos da Assembleia destacaram a imagem do deserto como espaço de
esterilidade ou de revelação, o desafio de dissipar o medo e denunciar as
injustiças, a necessidade de pedir insistentemente ao Senhor para que
possamos ser verdadeiramente profetas da Sua esperança.
8. Antes do encerramento dos trabalhos do primeiro dia, Franklin Ibañez,
Secretário Executivo do Ex‐Co mundial, conduziu‐nos numa contemplação por
diversas experiências de missão da Comunidade Mundial na linha da opção
preferencial pelos mais pobres. Acrescentou ainda que, em Fátima 2008, a
CVX intuiu duas abordagens paralelas para a concretização desta opção: por
um lado a eleição dos mais pobres como destinatários preferenciais dos
esforços apostólicos da CVX e por outro, a necessidade de ser mais inclusivo,
alargando a Comunidade a essas realidades.

II ‐ CVX‐P – Desafios para o futuro
9. Começámos por olhar a nossa realidade a partir da informação da base de
dados e dos resultados do inquérito sobre as áreas de missão da CVX‐P.
Somos uma comunidade relativamente jovem, com a maioria dos membros
entre os 26 e os 45 anos, de formação superior (91%), 65% mulheres e 35%
homens, 53% casados e 47% não casados e com actividades profissionais
essencialmente distribuídas entre ensino, empresas e saúde. O tempo de vida
dos grupos revela o recente crescimento da Comunidade, sobretudo na região
Sul.
10. Partindo das linhas de força do dia anterior, os grupos foram convidados a
aplicá‐las à realidade da CVX‐P, a partir das seguintes questões:
a. Encarnados nas vicissitudes do nosso tempo, a partir do que somos e dos
apelos dos contextos em que nos movemos, que lugares mais necessitam da
esperança que podemos dar?
b. Enraizados em Deus, a partir do caminho percorrido nos últimos anos, como
é que a CVX‐P vive e aprofunda o seu carisma inaciano; o que é bom não
perder, o que falta, o que aprofundar?
c. Conscientes que a nossa capacidade de acção depende da nossa fidelidade
ao Senhor, mas é condicionada pela falta de liberdade e desprendimento
das coisas materiais que nos prendem, que enganos do mundo impedem a
CVX‐P de querer ser e oferecer‐se como comunidade profética?
d. À luz do que recolhemos no tempo de preparação nos nossos grupos e do
que vivemos na Assembleia, a que prioridades de missão e desafios
apostólicos a CVX‐P está a ser chamada?
11. As conclusões dos trabalhos de grupo expressaram os desejos de sermos
sinais de esperança e os apelos a agirmos como profetas, mais de gestos do
que de palavras e que ordenámos em cinco grandes áreas:
a. Temáticas da família: Reconhecendo a importância da família como célula
base das nossas estruturas sociais, a CVX‐P sente‐se chamada, por um lado, a
responder às necessidades das famílias dentro da CVX, nomeadamente
facilitando a participação de toda a família nas actividades comuns. Por outro,
olhando para a difícil realidade da vida familiar, a Assembleia desafia a CVX‐P
a procurar alargar o âmbito da sua acção, para além das suas fronteiras.
Concretamente, reconhecendo a presença já significativa da Comunidade em
áreas de missão relacionadas com a família, estimula estes membros a
partilhar as suas experiências e a criar oportunidades de reflexão em comum
sobre estas temáticas. Desafia ainda a Comunidade a estar atenta a famílias
em situação de crise e às novas realidades da família, assim como a dispensar
um especial cuidado às necessidades de formação espiritual dos jovens entre
os 14 e os 18 anos.
b. Estruturas eclesiais: Tendo consciência da presença significativa de
membros da Comunidade no serviço paroquial e na pastoral dos Exercícios
Espirituais e tendo o PG6 como pano de fundo, a Assembleia reconhece este
campo apostólico como uma oportunidade de contribuição da CVX‐P, para a
renovação da Igreja, através dos instrumentos da espiritualidade inaciana
(oração, discernimento, imagens de Deus, etc). A Comunidade desafia estes
seus membros a viverem este compromisso em crescente fidelidade ao seu
carisma, procurando o envio e o acompanhamento pela Comunidade.
c. Maior aproximação à realidade dos excluídos: Temos consciência que ainda
temos um longo caminho a percorrer como Comunidade, embora tenhamos
testemunhos fortes neste campo, nomeadamente o apostolado nas prisões,
o trabalho com os sem abrigo, o voluntariado nos hospitais, etc. A
Comunidade valoriza o empenho dos membros envolvidos nestas áreas e
pede a sua liderança para conduzirem a Comunidade neste caminho. A
Assembleia interpela a Comunidade a tornar‐se mais aquilo que é, na
definição do PG4, “Comunidade formada por cristãos (...) de todas as
condições sociais (...), conscientes da necessidade premente de trabalhar
pela justiça através de uma opção preferencial pelos pobres e de um estilo
de vida simples.” Sentimos que isto nos exigirá trabalhar a nossa humildade,
aprender a trabalhar com e não só para os outros, e procurar activamente
formas de traduzir a nossa espiritualidade em linguagem mais simples.
d. Testemunho profético no meio profissional: No âmbito do testemunho
pessoal, encorajamos a explorar a sabedoria inaciana do Princípio e
Fundamento, Duas Bandeiras, Discernimento e Tomada de Decisão, aplicada
aos contextos profissionais. A caminho de uma maior visibilidade e apoio
mútuo na missão comum, percebemos a urgência de criar grupos de
partilha, reflexão e apoio por áreas profissionais, dando sequência à
experiência bem sucedida das Jornadas 2009 e ajudando os membros CVX a
serem sinais de esperança num meio profissional fragilizado.
e. Formação e consolidação do corpo apostólico: Considerando que a
Comunidade se distribui por diferentes etapas de crescimento, a Assembleia
reforça a necessidade de capitalizar os diferentes programas de formação e
materiais desenvolvidos durante estes últimos anos (cursos de animadores,
jornadas, curso de guias, percurso de acolhimento, etc.), estimulando a
Comunidade a fazer uso destes recursos. Em particular estimula‐se a
Comunidade a auxiliar o discernimento vocacional de cada membro, num
processo de crescimento que venha a conduzir a um maior compromisso
com o corpo. A dinâmica do circulo apostólico – discernir, enviar,
acompanhar e avaliar ‐ é imprescindível à construção da CVX como corpo
apostólico, exigindo um especial empenho em levar a sua compreensão e
utilização a todos os grupos. A experiência dos últimos anos tem mostrado
insuficiente disponibilidade por parte da Comunidade em assumir cargos
nas Equipas de Serviço. A Assembleia encoraja a generosidade para
participar de forma activa na sustentação deste corpo.

III ‐ A Assembleia recomenda à nova Equipa Nacional que:
A. Promova a formação de equipas apostólicas, nomeadamente na área da
família e das estruturas eclesiais;
B. Optimize os mecanismos de comunicação entre os diferentes níveis da
Comunidade, para construir comunidade e potenciar o serviço apostólico;
C. Faça o levantamento das experiências concretas de missão, identificando,
apoiando e divulgando boas práticas, facilitando a criação de redes
apostólicas, etc.;
D. Promova encontros regulares entre os membros com compromisso
permanente, que lhes permitam viver com maior fidelidade as implicações
do seu compromisso.

Fátima, 1 de Novembro de 2010, Solenidade de Todos os Santos