Desde a mais remota antiguidade que o homem honra os seus mortos.
Não sei se por neles antever o seu futuro, um ponto de passagem do qual não pode fugir, se por reconhecer no que parte um par cuja dignidade quer preservar, se por gratidão pela vida que termina (para uns) ou se transforma (para outros).
Seja qual for a razão, os vestígios mais primitivos de sepulturas e rituais fúnebres são sinais da passagem do homem.
Noutro dia, ouvindo um programa de rádio, tomei consciência de uma realidade desconhecida, ou talvez convenientemente ignorada.
A realidade das pessoas que vão a enterrar sozinhas.
Sem-abrigos, velhotes, doentes que morrem nos hospitais e cujos familiares nunca apareceram a reclamar o corpo, alguns destes que, por caridade dos médicos e enfermeiros, aqui permaneceram durante tempos esquecidos, sem uma única visita.
A minha pergunta favorita é "Porquê?". Nunca passei esta fase...
E aqui, não consigo evitar!
Pensei no nosso egoismo, na pobreza económica e também na pobreza das nossas relações.
Seja pela razão que for, estamos a perder algo que costumava definir-nos como homens.
Tentei pôr-me no lugar do morto e no lugar dos seus amigos e familiares. Senti a solidão e a fragilidade!
Mas o programa não descrevia apenas o drama. Contava, também, a história de uma voluntária que acompanha estes funerais.
Uma história de compaixão e que, por contraste, foi para mim um sinal de esperança, de humanidade, de amor, de gratuidade! Um desafio a acreditar nas maravilhas que Deus faz no coração do homem, apesar da sua dureza.
Comovida, olhei para mim. E eu? Como me comporto com os que conheço, mais ou menos próximos? Acolho? Acompanho? Ou também abandono?
Com a questão "como ser profeta da esperança hoje?" ainda a ecoar, creio ter encontrado mais uma possibilidade: humanizar e deixar divinizar o meu coração para ser presença de Deus que sempre acolhe e acompanha, neste mundo tão fragilizado.
Ana Melo (Sal da Terra)