Existe uma personagem da mitologia grega, Sísifo tido como o mais astuto de todos os mortais, conta-se que enganou a Morte duas vezes, e como castigo, Sísifo foi condenado a empurrar, para toda a eternidade, uma grande pedra de mármore com as suas mãos até ao cimo de uma montanha, sendo que toda vez que ele está quase alcançar o cimo, a pedra rolava novamente montanha abaixo até ao ponto de partida através de uma força irresistível. Por esse motivo, todas as tarefas que envolvem esforços inúteis passaram a ser chamadas "Trabalhos de Sísifo".Tratava-se de um castigo para mostrar que os mortais não tinham a liberdade dos deuses.
Sobre Sisifo, escreveu Miguel Torga:
Recomeça…
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcancesNão descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomarE vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucuraOnde, com lucidez, te reconheças.
A condição humana faz de nós mestres do recomeço, todos nós, mesmo os que não o pensam ou não o sentem. A grande diferença que o Cristianismo traz em relação à história de Sisifo, é que quando recomeço, já recomeço a um nível superior e já não volto atrás. A acrescer a isso a mais valia que nos é trazida por Santo Inácio, é a da avaliação permanente para um melhor recomeço, é o da suspeita permanente que nos obriga a exercitar mente e alma, numa constante busca de um melhor caminho, não como mais cómodo ou mais delicado, tipo, alcatifado por oposição a uma qualquer calçada portuguesa, mas como o Caminho que nos conduz a Deus.
Este Caminho, não é necessariamente mais fácil, e nele não existem atalhos ou corta-matos, ele é comprido, tem pedras, pedrinhas, umas mais visíveis que outras, umas mais brilhantes que outras, mas como dizia Fernando Pessoa “pedras no caminho.... apanho-as todas.... um dia posso vir a construir um castelo!”
Estamos sempre a recomeçar, e o sol todos os dias nasce... mas para um melhor recomeço, é essencial o discernir, o avaliar e o preparar cada novo começo. Mas examinar não é só ver erros para os corrigir, mas também e sobretudo ver o que está bem para agradecer e progredir. Chegamos ao fim de mais um dia, mais um mês, mais um ano, e podemos tirar lições desta nossa história, com estórias dentro, para tentarmos saber quais os novos passos a dar no próximo dia, no próximo mês e no próximo ano, não como um exercício de negatividade, com auto-comiseração e flagelo à mistura, mas como um exercício de liberdade que nos empurra para um melhor conhecimento de nós, das nossas fragilidades, dos nossos medos, juntamente com os nossos dons, pontos fortes e graças.
Que o Espírito Santo nos ilumine para que com liberdade consigamos avaliar o ano que passou e com realismo lançarmos as pontes para o novo ano que se avizinha.
Porque Tu és o meu auxílio,
e à sombra das Tuas asas eu exulto.
A minha alma está unida a Ti,
a tua mão direita me sustenta.
Sl 63, 8-9