Visão de futuro sobre a missão CVX (excerto)

Guy Maginzi

Secretário Executivo

Conselho Executivo Mundial da CVX 

Olhares prospectivos sobre a missão da CVX[1]

 

            Como lançar hoje um olhar prospectivo sobre a missão da CVX no mundo? Escolher algumas experiências apostólicas, assumindo o risco de arbitrariedade que tal escolha implica, e prever futuras evoluções? Revisitar a história da Comunidade mundial detendo-se na dimensão “apostólica” tal como se depreende das sucessivas Assembleias Mundiais? Recordar a natureza e os objectivos apostólicos da CVX como se afirma nos seus textos fundadores[2] e acentuar a caminhada que a comunidade tem vindo a realizar para atingir os seus objectivos?

            Qualquer que seja a perspectiva adoptada, convirá, sem dúvida alguma, ir até ao que constitui o núcleo fundamental da missão CVX: a adesão a Cristo ressuscitado. Tal adesão nasce nos nossos corações, e aí se renova quotidianamente, graças aos Exercícios Espirituais de Sto. Inácio. A CVX reconhece neles a fonte específica e o instrumento característico da sua espiritualidade[3]. Fora desta realidade fundamental, a missão da CVX não pode ser nem compreendida adequadamente nem vivida de forma autêntica.

            São estas as razões pelas quais procuraremos redescobrir alguns traços significativos da missão CVX (I), antes de analisar alguns desafios e dificuldades (II). Será assim mais fácil ressaltar algumas oportunidades, sementes do futuro missionário da CVX (III).

I. Como compreender a missão CVX?

 

            PG 1: As três Pessoas Divinas, contemplando toda a Humanidade dividida pelo pecado, decidem dar-se completamente aos homens para libertá-los de todas as suas cadeias. Por amor, o Verbo encarnou e nasceu de Maria, a virgem pobre de Nazaré.

            A missão CVX constitui uma resposta ao amor de Deus que se implica na vida do ser humano, sua criatura. Os membros CVX descobrem quão preciosos são aos olhos de Deus, “que, na Sua bondade inefável de salvar os homens, lhes dá a possibilidade de participarem integralmente na realização da Sua salvação na história[4]. A nossa missão nasce do desejo de nos unirmos intimamente a Cristo que assume a nossa condição humana e lhe dá sentido.

            Para delimitar melhor os traços essenciais da missão CVX é mais fácil começar por dizer o que ela não é. A missão CVX não é uma actividade opcional e totalmente pessoal.

I. 1. A missão CVX não é facultativa

            A CVX é um corpo apostólico para a missão. Não é um lugar que reúne pessoas felizes por partilharem a sua fé e amizade num tranquilo e agradável círculo fechado. O específico da CVX é que os membros da comunidade partam e se façam ao largo para dar testemunho de Cristo ressuscitado.

            Ninguém pode dizer-se autenticamente CVX se não se compromete numa vida apostólica, porque todo aquele que reconhece a CVX como o lugar da sua vocação específica na Igreja, quer seguir a Jesus Cristo mais de perto e trabalhar com Ele na edificação do Reino[5]. Encontrou a Cristo e fez a opção decisiva de segui-Lo, com o auxílio da Sua graça.

            Não reconhecer dentro de si o desejo ou a vontade de estar em missão é frequentemente sinal de que a pessoa não sentiu ainda o apelo a uma vocação CVX. Isso deverá levar a um processo de aprofundamento[M1] , e depois de discernimento, da vocação. Do mesmo modo, uma comunidade que não ajuda os seus membros a fazerem a eleição e a viver as exigências e as implicações que lhe são inerentes, não é uma comunidade fecunda.

I. 2. A missão CVX não é uma actividade

            Sem este desejo alimentado pelos meios inacianos, o nosso compromisso apostólico, por mais útil e louvável que seja, estará desligado do que o faz CVX.

            Daqui se depreende que a missão não é tanto o serviço realizado como a atitude que o justifica e sustém.

I.3. A missão CVX é comum

            Falar de missão comum poderá fazer pensar imediatamente na realização por todos de uma mesma actividade – ou numa série de actividades similares. Não é exactamente assim que a CVX entende a sua missão comum. Porque a missão “é comum em razão, não só da sua origem, mas também da sua orientação[6]. É Cristo que dá a missão à CVX e esta vive-a segundo a sua vocação específica no seio da Igreja.

            No decorrer da Assembleia mundial de Nairobi, compreendemos que o corpo apostólico que o Senhor nos convida a edificar é um corpo no qual se vive discernimento, envio, apoio e avaliação apostólicos. É a interacção entre estas quatro dimensões da missão que a torna realmente “missão comum”, vivida em CVX.

            Sendo a CVX uma comunidade de leigos implicados em diversas realidades profissionais e sociais, serão raras as situações em que um grupo assuma como missão uma actividade comum a todos os membros. Pelo contrário, a comunidade é o lugar privilegiado de discernimento da missão pessoal dos seus membros. E o que é verdade para o discernimento, é igualmente verdade para o envio, o apoio e a avaliação apostólica.

            Realizado o discernimento, a CVX deve enviar os seus membros em missão. E se a comunidade e a pessoa o considerarem útil, pode fazer-se uma pequena celebração de envio, como já acontece frequentemente. Este aspecto do envio em missão marca uma diferença considerável em relação a outros caminhos inacianos, particularmente o adoptado pelos leigos que recebem uma missão dos superiores das ordens religiosas às quais se associam.

            O apoio que o membro CVX terá da sua comunidade para a missão depende, em grande parte, da natureza dessa missão e das circunstâncias particulares da vida da comunidade. De qualquer forma, cabe à comunidade assegurar a proximidade espiritual a cada um dos seus membros, em particular na dimensão missionária das suas vidas. Os membros interessam-se uns pelos outros e tê-los presentes na oração é uma manifestação dessa proximidade e de comunhão missionária. Além disso, e segundo as circunstâncias, a comunidade deverá igualmente estar disponível para colocar à disposição dos seus membros qualquer outro tipo de recursos – inclusive os materiais – para a realização da missão.

            A avaliação é uma dimensão por vezes negligenciada e, no entanto, é ela que nos permite fazer memória, reflectir sobre o que nos foi dado viver sob o olhar de Deus e reconhecer a Sua marca na nossa história. Feito em comunidade, este exercício eminentemente inaciano torna mais comum a nossa missão e alimenta o nosso discernimento e apoio apostólico.

            Isto quer dizer que estas quatro dimensões da CVX não são etapas cronológicas que há que percorrer umas atrás das outras, mas que constituem uma dinâmica de interacção e um fundamento fiável de comunhão apostólica. O que a torna comum não é, pois, o cumprimento por parte de todos de uma mesma actividade, ou a criação de redes apostólicas, mas a dinâmica: discernimento, envio, apoio, avaliação.

I. 4. A missão CVX é a de uma associação mundial de fiéis leigos de espiritualidade inaciana

            A CVX partilha a missão dos fiéis leigos da Igreja, isto é, a missão de testemunhar no mundo em que vivemos que aos leigos pertence pela própria vocação buscar o Reino de Deus, tratando das realidades temporais e ordenando-as segundo Deus. Vivem no mundo, isto é, em toda e qualquer ocupação e actividade terrena e nas condições ordinárias da vida familiar e social com as quais é como que tecida a sua existência. São chamados por Deus para que, aí, exercendo o seu próprio ofício, guiados pelo espírito evangélico, concorram, como fermento, para a santificação do mundo a partir de dentro e, deste modo, revelem Cristo aos outros, antes de mais pelo testemunho da própria vida, pela irradiação da sua fé, esperança e caridade[7].

            Ao assumir a sua parte da missão dos fiéis leigos, a CVX procura fazê-lo de modo inaciano. A este respeito, as palavras do P. Arrupe remetem-nos para o essencial: “ A espiritualidade inaciana é eminentemente cristocêntrica. Viver um intenso amor pela pessoa de Cristo, tender para um “sensus Christi” que nos faça ser, aparecer e agir como Ele, é a característica primeira e fundamental do “nosso modo de proceder”[8]. A CVX vê nisto uma função a renovar incessantemente e um desafio a ter em conta, apesar das dificuldades inerentes a esta vocação eclesial.

(...)

III. Oportunidades, sementes de futuro

            PG 8: A nossa vida é essencialmente apostólica. O campo da missão da CVX não conhece limites: estende-se à Igreja e ao mundo, a fim de levar o evangelho da salvação a todos, de servir as pessoas e a sociedade, abrindo os corações à conversão e lutando pela transformação das estruturas opressoras.

            No centro das oportunidades apostólicas encontra-se a espiritualidade inaciana cuja flexibilidade e dinâmica permitem adaptar-se às condições e necessidades em grande mudança do mundo de hoje. Estas oportunidades manifestam-se tanto nas acções já em curso (III.1) como no potencial da CVX (III.2.)

III.1. Acção actual

            Os membros CVX procuram, nas suas tarefas quotidianas e “profanas”, comungar a vida de Cristo. As suas vidas, como as dos que o Senhor colocou no seu caminho, têm esta marca. É, poderíamos dizer, o seu caminho normal de santificação.

            Muito frequentemente, estão inseridos na vida social e na vida da Igreja, sem que tal seja conhecido e reconhecido. Uma explicação para isso pode encontrar-se na atitude interior, mais ou menos comum a toda comunidade, e que consiste em não querer fazer publicidade nem “marketing apostólico”. A maneira de ser CVX, ouve-se dizer com frequência, é a do fermento no meio da massa ou a do sal na comida. A CVX e os seus membros não têm, portanto, que “dar nas vistas”.

            No entanto, será tão mau para a CVX dar corpo e alma ao marketing do seu carisma, como privar-se de dar a conhecer o que se vive na CVX e graças à CVX. Esta palavra humilde é um testemunho que alimenta a nossa fé no Senhor. Vê-Lo a actuar nos nossos irmãos e irmãs ajuda a encontrá-Lo melhor na nossa própria vida. Esta partilha, que nos ajuda a fazer comunidade, anima-nos igualmente a explorar, agarrar e assegurar possibilidades de colaboração apostólica entre nós e com os outros.

III.2. Potencial da CVX

            Já mais do que uma vez ouvi dizer que a CVX é uma pequena organização e que, por isso, a sua margem de acção é reduzida face à complexidade dos problemas actuais do mundo. A afirmação não é falsa, mas corre o risco de não deixar reconhecer todo o nosso potencial.

            O carácter mundial da CVX é uma riqueza de que há que tirar proveito. A sua enorme variedade permite dar respostas matizadas e, por conseguinte profundas, a certas questões comuns. Oferece inegavelmente aos membros a possibilidade de pensar – e poderíamos acrescentar rezar e discernir – globalmente e agir localmente. É também por isso que os Princípios Gerais nos animam a criar e manter mais redes apostólicas.

            Graças sobretudo à acção profética dos que nos precederam, a CVX dispõe do Estatuto de Organização Não-Governamental com estatuto consultivo nas Nações Unidas. O referido estatuto confere-lhe possibilidades de lobbing que exigem ser mais exploradas. Estas acções de defesa de causas que requerem uma estreita colaboração com pessoas e redes comprometidas na base constituem um serviço a outras formas de compromisso social, e um útil complemento às causas defendidas junto de outras instâncias. Neste campo, abrem-se igualmente oportunidades de colaboração com as estruturas jesuítas de compromisso social.

Para concluir

            Em razão da espiritualidade inaciana, a missão está no centro da CVX. É vivida de diferentes formas que podem e devem, seguramente, ser melhoradas para que a CVX se torne um corpo apostólico inaciano laical. É este o grande desafio que, ao mesmo tempo, abre numerosas oportunidades de crescimento quer à comunidade quer aos seus membros, ao permitir um serviço útil à Igreja e ao mundo. As dificuldades não são insuperáveis e poderemos alcançar o nosso objectivo se soubermos aproveitar todos os recursos que a nossa espiritualidade nos oferece. Olhando o mundo e olhando-nos a nós próprios com os olhos do nosso Senhor Encarnado, a nossa motivação renova-se ao assumirmos com Ele este desafio. Com um coração incessantemente liberto de todo o “afecto que seria desordenado” caminharemos com determinação por este caminho que reconhecemos ser o que mais nos aproxima do nosso principal desejo: sermos testemunhas de Cristo Ressuscitado.


[1]  Reflexões pessoais do autor que não representam necessariamente o ponto de vista da CVX Mundial nem do seu Conselho Executivo.

[2] Esta perspectiva seria particularmente oportuna neste ano de 2007, uma vez que a CVX celebra 40 anos do seu texto (re)fundador: os Princípios Gerais (PG).

[3] PG 5

[4] Sínodo dos bispos sobre a vocação e missão dos leigos na Igreja e no mundo: 20 anos depois do Concílio Vaticano II, Instrumentum Laboris, nº 11.

[5] PG 4

[6] Carisma CVX, 103

[7] Lumen Gentium (LG) nº 31

[8] Pedro Arrupe, O nosso modo de proceder, conferência proferida a 18 de Janeiro de 1979 e disponível no site: www.jesuites.com/histoire/arrupe/agir.html


 [M1]Difícil explicar isto: se a pessoa não sente a CVX como vocação, por que raio deverá sentir-se atraído por aprofundar essa vocação?!