Archives for July 2011

Feliz Dia de Santo Inácio!

Tomai Senhor, e recebei
Toda minha liberdade,
A minha memória também.
O meu entendimento
E toda minha vontade.
Tudo que tenho e possuo,
Vós me destes com amor.
Todos os dons que me destes,
Com gratidão vos devolvo:
Disponde deles, Senhor,
Segundo vossa vontade.
Dai-me somente
O vosso amor, vossa graça.
Isto me basta,
Nada mais quero pedir.

No essejota.net. vem como sugestão para a quinzena passada uma reflexão sobre esta oração.

Diz-nos António Valério, sj:

"O tema escolhido para esta quinzena é a oração proposta por Santo Inácio no final dos seus Exercícios Espirituais, na última contemplação, chamada Contemplação para alcançar amor [nn. 230-237]. Dentro do percurso dos Exercícios Espirituais, esta oração surge como a síntese e corolário de todo o percurso feito pelo exercitante ao longo das suas quatro semanas.

Situada, portanto, no final do percurso, a oração do Tomai Senhor pressupõe o caminho realizado ao longo dos Exercícios, um caminho que conduziu ao conhecimento de mim mesmo e da minha vida, dos seus limites e dos seus desejos, e essencialmente, da pessoa de Jesus. É Ele que me convida a segui-Lo com radicalidade nas minhas escolhas grandes e pequenas, num dinamismo de maior serviço e amor.

Em muitos locais e celebrações se canta esta oração, muitas vezes sem se saber a sua origem. Toda a oração indica uma determinada intenção do coração no que diz respeito ao modo de nos relacionarmos com Deus e com as implicações que esta relação tem no concreto da vida. E, se cantar o “Tomai Senhor” manifesta uma vontade de entregar a Deus a própria vida, no abandono e na confiança de que “só a Vossa graça me basta”, então o cântico tem o seu efeito.

Mas seria muito interessante ir mais longe e determo-nos nas palavras desta oração.

Apenas um coração tocado por um enorme dom e surpresa poderia dizer estas palavras de forma total. A contemplação para alcançar amor pressupõe que me sinto movido a dar tudo a Deus, a minha memória, inteligência e vontade, porque reconheço que Deus também me comunica tudo aquilo que tem e é. Ao ponto de ultrapassar largamente a própria liberdade e a própria vida, apenas encontrando como seu sentido o facto de viver completamente no Outro.

A pessoa humana que faz uma oblação deste género encontra-se mergulhada na consciência profunda de que Deus tudo absorve, tudo move, tudo completa. Que Ele é o único infalível, o único olhar que verdadeiramente salva e convoca. A pessoa humana que vive isto, experimentou a profundidade do amor de Deus. A oração do Tomai Senhor é a resposta completa e total de uma vida agradecida e reconhecida, que encontra a sua força e motivo na vida de Deus, que a anima desde o mais fundo. A quantidade de vezes em que aparecem as palavras todo, toda, tudo exprimem o registo de totalidade que é o Deus e, ao mesmo tempo, o registo em que se deve mover a fé.

O grande segredo do cristianismo consiste numa aproximação progressiva ao estilo de vida de Jesus, que vive totalmente entregue à vontade de Deus e ao serviço dos outros. No “Tomai Senhor”, surge este compromisso de fazer da própria vida uma doação total, uma vida em plenitude, a mesma de Jesus.

Exercício: Quando rezo esta oração, que sintonias sinto com a totalidade de Deus que se me entrega totalmente? Serei capaz de fazer o mesmo?"

in essejota.net/espiritualidade inaciana

Falarmos a mesma língua, resulta, então, na mesma oração:

Take O Lord and receive
All my liberty, my memory,
My understanding and my entire will
All that I have and possess
You have given all to me
To you O Lord I return it
All is yours
Dispose of it all according to your will
Give me your love and grace
For this is sufficient for me.

Prenez dans vos mains,
Seigneur, ma liberté entière;
Recevez ma mémoire,
Mon intelligence,
Et toute ma volonté.
Tout ce que j’ai,  Tout ce que je possède,
C’est vous qui me l’avez donné ;
Je vous le rends et vous le livre sans réserve
Pour le soumettre entièrement à votre volonté.
Donnez-moi seulement votre amour
Et votre grâce
Et je serai suffisamment comblé ;
Je ne demande rien au-delà.

Tomad, Señor,
y recibid toda mi libertad,
mi memoria, mi entendimiento y toda mi voluntad,
todo mi haber y mi poseer,
Vos me lo disteis, a Vos, Señor, lo torno.
Todo es vuestro.
Disponed a toda vuestra voluntad,
dadme vuestro amor y gracia que ésta me basta.

e muitas outras há...

A todos Feliz dia de Santo Inácio!

Eterno Senhor de todas as coisas

Pietá

Eterno Senhor de todas as coisas

Sinto que o teu olhar repousa sobre mim, sei que a tua Mãe está aqui ao lado e que à tua volta há uma multidão de homens e mulheres, de mártires e de santos.

Com a tua ajuda queria oferecer-me a Ti.

É a minha mais firme determinação e desejo, se Tu me aceitas, proceder neste mundo como Tu procedeste.

Sei que viveste numa pequena aldeia, sem comodidades, sem educação especial, sei que recusaste o poder político, sei o muito que sofreste. As autoridades recusaram-Te, os amigos abandonaram-Te.

Mas para mim é algo maravilhoso que me convides a seguir-Te de perto.

Oração retirada dos Exercícios Espirituais [EE 98]
(e actualização por Joseph Tetlow sj)

in essejota.net

Vinde e Vede…

"Por muito que insistamos em fazer asneiras, ou que caiamos na tentação de, de quando em vez, nos equipararmos a “lixo”, para Deus Nosso Pai, cada um de nós é sempre um filho muito amado."  Teresa Sabido Costa in Vinde e Vede

E assim começa mais um Vinde e Vede.... querem ver? Basta clicar no link abaixo.

Vinde&Vede_14_jul2011 (1)

Zézinha por Jaime Nogueira Pinto

O texto chegou-me através do José Tomaz de Mello Breyner... já tinha ouvido das pessoas que presenciaram a sua primeira leitura, o quanto se comoveram e o quão bem escrito estava... aqui fica, para os que ainda não o tinham ouvido ou lido...

Texto lido pelo Jaime na Missa de Corpo Presente da Zézinha

 "Não vos vou falar mais da Zézinha. Porque todos a conheceram e já muitos falaram dela nestes dias. E bem. Eu, aqui, vou falar-vos da Zézinha e de nós – de mim, dos meus filhos e da nossa família - nestes cinco últimos meses desde que soubemos da doença dela, num Sábado 12 de Fevereiro, faz hoje precisamente cinco meses.

      Conheço bem as narrativas de aceitação cristã e resignada das provações que Deus manda – deste o Livro de Job às histórias dos mártires e perseguidos de todos os tempos. Mas nunca tinha assistido, e vivido, de perto, e também na pele, essa experiência. Nesse dia no Hospital da Luz a Zézinha foi informada quase ao mesmo tempo que nós do que tinha e quais eram as perspectivas; e  percebeu perfeitamente que tinha uma sentença de morte a curto prazo em cima da cabeça.

      Jantámos nessa noite com os nossos filhos e começámos, conscientes, uma longa e dolorosa noite das Oliveiras. Às quatro da manhã, vi que ela não estava no quarto e fui procura-la. Estava na casa de jantar, a fumar um cigarro.

 Perguntou-me se queria também um chá, que ia fazer para ela. E assim ficámos até às seis, a beberricar um chá e a falar da nossa vida. Da nossa vida que tinha sido uma vida boa, mas que não tivera nada a ver com uma boa vida. Tinha sido uma vida difícil, muito rica de riscos e afectos, de grandes amizades e algumas desilusões. E ela agradeceu – e eu com ela – a Deus que nos tinha dado essa vida, e os nossos filhos, e os nossos netos, e toda a família. E os nossos amigos. Todos vós.

Depois foi o princípio desta caminhada que acabou na semana passada: ela estava resignada mas, por nós – por mim e pelos filhos - aceitou lutar, com fé em Deus e respeito pelas ciências e artes dos homens. E partimos para Nova Iorque, e depois para Madrid. E tivemos essa longa espera das consultas, dos exames, das análises, dos relatórios, das esperanças alimentadas e perdidas, das histórias dos amigos próximos solidários que vêm com uma casuística de receitas e curas. Partilhamos isto tudo com ela, mas ela – sendo a vítima – foi sempre a mais corajosa e a mais desprendida de todos nós.

Ela rezava as suas devoções antes de dormir e eu muitas vezes rezei com ela. Nunca nessas longas semanas pediu a cura; pedia que se fizesse a vontade de Deus. Aceitava pedir pequenas coisas: para ter apetite; para não ter náuseas depois da quimioterapia; para ter ossos e cabeça no dia seguinte, para cumprir as suas obrigações profissionais – e ir ao Parlamento, ir à Renascença, ir ao debate da SIC, aguentar a campanha eleitoral, escrever o artigo para o DN.

E estar presente com a sua extrema atenção como mulher, como mãe, como avó, como dona de casa, nas grandes e pequenas tarefas, nas rotinas todas.

Ela que era a pessoa mais modesta do mundo e gastava metade do que ganhava nas suas “caridades”. Tinha a sua economia pensada e articuladas para a velhice. Com a doença e os tratamentos dizia, solta, a rir e a sorrir - “se duro muito, gasto o que tenho com a doença e depois vais tu ter que me sustentar.”

Vivi isto tudo com os nossos filhos – o Eduardo, a Catarina, a Teresinha - e também com a Helena, o Martim e o Tiago. E com as minhas cunhadas Maria João e Sumsum, e com a minha sogra, Maria José.

Mais que todos com a Teresinha porque estava na linha da frente, estávamos os dois com a Zézinha em casa e, talvez por isso fomos os que alimentámos mais esperanças.

A Teresinha e eu, nesta linha da frente, tínhamos que ser mais esperançosos que os outros. Vigiávamo-nos e ajudávamo-nos, atentos a quando o outro ia a cair. Como dois Cireneus, mas quem levava a Cruz era a Zézinha.

Escolheu – ela escolheu e nós seguimo-la – viver habitualmente esta tragédia. Nós às vezes revoltávamo-nos e pensávamos que Deus estava a escrever por linhas tortas, muito tortas. Sentíamo-nos na sua cela da morte, e pedíamos – nós – graça e clemência. Mas ela continuou a aceitar com simplicidade, com modéstia, com aquele seu sorriso que era a coisa mais luminosa do mundo, quase a pedir desculpa por estar doente, por nos preocupar, por nos mudar a vida.

Uma ou duas vezes houve episódios positivos, animadores, que quase a perturbaram. A resignação é comovente, mas a esperança – sobretudo nos resignados - ainda é mais. Nela, a esperança guardou-a para outras coisas. Em nós houve sempre esperança quase até ao fim. Acreditamos num Deus que faz milagres, que ressuscita mortos, porque não havia de curar enfermos.

Desta vez não curou. Há dez dias, mais ou menos, tudo se precipitou, vieram as más notícias do TAC de avaliação; já nos tínhamos apercebido que tudo estava pior, pois ela perdia mais e mais forças, os olhos perdiam o brilho, a vida ia desaparecendo. E só essa sua coragem e vontade de espírito a mantinham de pé.

Conhecia-a há mais de quarenta anos, no dia 12 de Março de 1970. Íamos fazer quarenta anos de casados no próximo mês de Janeiro e ela faria 60 anos em 23 de Março.

A vida a dois é uma vida difícil, mas conseguimos chegar juntos até que a morte, nos separou. Foi uma longa vida em que estivemos juntos em tudo o que de importante, bom ou mau, nos aconteceu – ou ao nosso país, ou à nossa família.

Mas estes quase cinco meses finais na sua dor e esperança, mais que uma descida para um abismo – que também foram – transformaram-se numa escalada para além da dor, uma subida de um calvário muito particular. Um calvário de alguém que pela fé, pela entrega aos outros, pelo amor aos mais fracos, pela caridade evangélica, acabou por seguir como sempre aspirava, o caminho de Cristo.

Sempre sem medo, nem da doença, nem da dor, nem do fim, porque ela acreditava que esse Cristo, esse Senhor era o seu pastor, e que por isso nada lhe faltaria ao atravessar o vale das trevas.

 Não faltou. Falta-nos ela a nós.

 Jaime Nogueira Pinto, Julho de 2011

Anjo emprestado… O fermento de Deus!

A capa do livro "Anjo Emprestado"

“deixou de ser um mundo e foi um outro (...)
Depois, sem dó nem piedade a vida começou ...”
Miguel Torga

Li ontem um livro que me tocou... não me foi recomendado por ninguém, mas recomendo, a quem se quer deixar interpelar por um amor sem fim de uma mãe por um filho, que nasceu com o “coração avariado”. Chama-se “Anjo emprestado” e a autora é a Mãe, Cristina Magalhães. Detentora de uma fé, encorajadora e contagiante, avassaladora, que segundo Nuno Lobo Antunes, “se sente como se o rio galgasse margens e fôssemos por ele arrastados num turbilhão em que falta o ar” in Prefácio. O livro e a sua história não pretendem mais do que ser um gesto de partilha duma mãe cuja vida continua, desde então à “beira-mágoa”...  a “silly season” tem destas surpresas... a mim, sempre me escorreram lágrimas, de cada vez que vi e vejo a Pietá, e Nuno Lobo Antunes, numa confissão que me arrasou de comoção, segreda-nos: “Na Pietá, a Mãe tem pelo menos o consolo de ter no seu colo o filho, que mesmo homem, pende inerte, como um recém-nascido que dorme. Neste livro, sente-se  aconchego do colo que espera pela criança, mas os braços permanecem imóveis porque o menino não pode ser abraçado.”
Esta Mãe, é na sua partilha, na sua presença,  O FERMENTO DE DEUS.

“Os que se afadigam com duros fardos,
Os que se esgotaram entre canseiras sua porção:
Como ramo que reverdece terão ainda vigor.

Os de ânimo abatido levantarão o olhar;
Uma estrela guiará nossos passos dispersos:
Não mais seremos expostos à solidão.

Ao que chora será dito: “alegra-te!”

Ao da margem alguém gritará:
“junta-te ao júbilo da dança!”

Os que lamentam tesouros gastos
Reaprenderão a esperar pelo orvalho.

E em qualquer canto da terra,
Quem reparte a vida e a beleza
Será chamado o fermento de Deus.”

José Tolentino de Mendonça in Um Deus que dança

Basta-me um passo…

Que importa se é tão longe, para mim,
A praia aonde tenho de chegar,
Se sobre mim levar constantemente
Poisada a clara luz do teu olhar?

Nem sempre te pedi como hoje peço
Para seres luz que me ilumina;
Mas sei que ao fim terei abrigo e acesso
Na plenitude da tua luz divina.

Esquece os meus passos mal andados,
Meu desamor perdoa e meu pecado.
Eu sei que vai raiar a madrugada
E não me deixarás abandonado.

Se Tu me dás a mão, não terei medo,
Meus passos serão firmes no andar.
Luz terna, suave, leva-me mais longe:
Basta-me um passo para a ti chegar.
Cardeal Newman

A descoberta de Jesus é uma história que se prolonga. É a nossa história. Precisamos de humildade e confiança. Aquela que fez, por exemplo, o Cardeal Newman, dedicar a Jesus esta oração. (J.Tolentino de Mendonça, in “O Tesouro escondido”)